Dessa vez não escrevo aqui pra falar de amor. Vim para contar uma história. Ela que rendeu mais de 100 empolgantes páginas do meu diário pessoal e que mantive por quase um mês de viagem pelas distantes terras da Patagonia, enquanto circulava de carona, de ônibus e barcos, apenas com uma mochila e uma câmera. Percebi que esse relato acaba surgindo em conversas aleatórias com amigos e que mostrei muito pouco ou quase nada por aqui. Então resolvi contar um pouco do que rolou nessa trip e pra isso dividi ela em três partes e no final vou apresentar algo novo que estou aprontando por aqui.
Cerca de um ano antes, sentado no balcão do Madre Mia, um resto-bar latino na cidade de Pelotas, um amigo me contava da sua vontade de fazer uma viagem solitária de Jeep até o Ushuaya. Contei minhas experiências na região e incentivei a trip durante toda a noite enquanto nos esbaldávamos comemorando o aniversário do bar. Alguns meses se passaram e voltamos a falar sobre o assunto. Ele me convidou para ir junto e o projeto da trip acabou se tornando uma caravana entre amigos. Devido a minha agenda de casamentos para fotografar, preciso me programar para uma viagem assim com certa antecedência e logo que definimos, fechei aquele mês programado e não agendei mais nenhum casório.
Nossas conversas foram ficando cada vez mais escassas e faltando dez dias para a viagem, sem nada planejado, coloquei em questão se aquilo aconteceria mesmo. Por motivos pessoais eles não poderiam mais ir, mas enquanto conversávamos, vi minha mochila no canto do escritório e decidi ir mesmo assim. Mas eu teria algumas questões que deveria levar em conta, entre elas, a falta de planejamento, o dinheiro reservado para isso era bem limitado e eu teria apenas uma mochila para levar tudo que precisasse para quatro semanas na estrada, afinal, não tinha idéia se faria longas caminhadas e bagagem demais seria um desconforto nesse caso. Por isso teria que me virar com uma câmera e uma lente nesse espaço restrito. Acabei levando uma Nikon D800 e uma 50mm f/1.4, então tudo que vocês vão ver daqui pra frente é com isso. Além do mais, ainda tinha trabalho por fazer antes de pensar em organizar essa viagem.
Dez dias. Eu teria que pensar em tudo e colocar todo meu trabalho em ordem nesse tempo, se quisesse sair no primeiro dia de fevereiro. Lembrei de uma conversa que tive com uma amiga argentina na Praia do Rosa, a Vic, onde ela me falou que as linhas férreas que cruzavam todo território argentino, de ponta a ponta, ainda funcionavam, apesar de boa parte estar sucateada ou se manterem com auxilio privado. Pesquisei um pouco sobre isso e logo descobri que um trem misto de passageiros e carga, cruzava o deserto patagônico levando pessoas e coisas de uma cidade chamada Viedma, a 30km do Atlântico, até Bariloche, nos pés das Cordilheiras dos Andes. Isso me pouparia vários dias de viagem e uma grana considerável.
Anotei tudo e no primeiro dia de fevereiro, exatamente a meia noite, peguei um táxi e pedi para me levar na rodoviária. Já havia comprado uma passagem para Montevideo, no Uruguay e a intenção era sempre andar em direção ao sul, da maneira que fosse possível e aproveitando as oportunidades que fossem surgindo.
Clareava o dia quando acordei, um tanto assustado, com o movimento brusco do ônibus em que havia passado a noite. Lá fora pequenas casas empoeiradas e uma placa com o nome do lugar: San Carmen Del Patagon. Ainda tentava manter os olhos abertos quando vi uma placa na beira da estrada que dizia - Viedma 2km - Apressado calcei meus tênis e peguei meus fones de ouvido no acento ao lado. Fazia frio. Eram 7h do dia 4.
Viedma é uma cidade pequena, mas é a capital da província de Rio Negro. Ela fica no início do Deserto Patagonico e a 30km da costa do Atlântico onde pode se avistar colônias enormes de lobos marinhos. Quando cheguei um forte nevoeiro cobria toda a cidade. Fui o único a descer do ônibus e enquanto eu ajeitava a mochila nas minhas costas, ele já partia, me deixando aparentemente solitário em uma rodoviária decadente e empoeirada do interior. Não vi ninguém e resolvi andar para ver o que encontrava. Percebi que logo atrás da rodoviária havia um táxi branco, um tanto maltratado, onde um senhor magro, de bigode e cabelos pretos, dormia com os braços cruzados sobre seu peito. Ele percebeu minha chegada e perguntei se poderia me levar até a estação de trem. Acomodei minha mochila no banco de trás e me sentei ao seu lado. O silêncio do carro era quebrado com o rádio tocando baixo uma milonga argentina e eu via a cidade sumindo no nevoeiro atrás de mim. Logo a frente viramos a direita e vi uma placa de madeira onde estava entalhado - Tren Patagonico.
Novamente fiquei sozinho, a não ser por três cachorros que vieram me recepcionar logo quando pisei na estação, ainda com minha mochila nas costas. Andei pelos trilhos por uma hora até que avistei alguém na estação que me informou que esse trem estava cruzando o deserto apenas uma vez por semana, coincidentemente isso aconteceria no dia seguinte, mas que ele já estaria lotado fazia duas semanas. Decepção. Expliquei minha situação, falei que viajaria nos vagões de carga se fosse necessário e depois de angustiantes cinco minutos ele me disse que eu poderia dividir com um argentino um quarto com beliche de um dos vagões, em todo o trem seria o único lugar ainda disponível. Então montei minha barraca na beira dos trilhos e lá esperei o outro dia, já com minha vaga no trem.
Saindo as 18h do dia 5 e pelas 20h seguintes acabei circulando entre todos os vagões, conversei com todo tipo de gente, debati questões econômicas com empresários, filosofei sobre a vida com andarilhos, bebi um vinho com uma senhora de mais de 80 anos, fui convidado para jantar por uma família de argentinos, assisti uma tempestade incrível se deslocando pelo deserto enquanto as cores e as formas da paisagem mudavam a cada instante através das janelas. E então, aquele horizonte que era infinito, gradativamente foi tomando forma até enormes picos rochosos se erguerem nas laterais do trem. Estava nos Andes.
Segunda parte desse relato vou contar na terça-feira, as 20h. Quer acompanhar? Segue lá no Instagram @munchowstudio que no final vai ter novidade para quem for seguidor. Mas é só pra quem seguir lá ein, fica esperto e depois não diz que não avisei. Então acessa ESSE LINK e vai em seguir.